
A aplicação irrestrita do segredo de justiça representa um desvirtuamento dos pilares do Estado Democrático de Direito. Quando utilizada fora das hipóteses legalmente previstas, a restrição à publicidade dos atos processuais compromete o controle social da atividade jurisdicional e afasta a sociedade do exercício da soberania que lhe é constitucionalmente assegurada. A Constituição Federal estabelece a publicidade como regra, corolário lógico do princípio de que todo poder emana do povo. Consequentemente, a sociedade detém o direito de fiscalizar a atuação estatal, sobretudo em processos que envolvam a administração pública, o erário ou a apuração de ilícitos de grande relevância social.
Nesses contextos, o sigilo processual, em vez de proteger o interesse público, frequentemente serve para resguardar interesses individuais ilegítimos, fomentando a morosidade, o esquecimento social e a ausência de cobrança institucional. Tal prática revela-se antijurídica ao atentar diretamente contra os princípios da publicidade e da moralidade administrativa, insculpidos no artigo 37 da Constituição. A publicidade não constitui uma faculdade do Poder Público, mas uma condição indispensável para o controle democrático e um critério de conformidade dos atos estatais. A imposição de segredo sem amparo legal configura, portanto, desvio de finalidade.
O ordenamento jurídico, notadamente no artigo 93, IX, da Constituição, e no Código de Processo Civil, consagra a publicidade como norma, admitindo o sigilo apenas em caráter excepcional. Sua aplicação legítima destina-se a proteger a intimidade, a vida privada, o interesse social qualificado ou a segurança do Estado, abrangendo casos como processos de família, ações com dados sensíveis, ou investigações cuja publicidade comprovadamente comprometeria o resultado. A alegação genérica de prejuízo à apuração, contudo, não se sustenta, pois a restrição à publicidade exige demonstração concreta de sua necessidade, não podendo basear-se em justificativas abstratas.
Na prática forense, observa-se a preocupante conduta de classificar demandas como sigilosas no ato da distribuição, sem que estejam presentes as hipóteses do artigo 189 do CPC. Essa manobra, ao invés de mero equívoco técnico, pode configurar expediente contrário aos deveres de boa-fé e lealdade processual. O uso abusivo do sigilo para tais fins afronta o princípio constitucional da publicidade, podendo caracterizar litigância de má-fé (artigo 80 do CPC) e comportamento incompatível com a ética profissional. A tolerância com essa prática banaliza o segredo de justiça, transformando-o de exceção em regra de ocultação, com sérios prejuízos à transparência e à legitimidade do próprio Poder Judiciário.
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