
A nova redação do artigo 63, §1º, do Código de Processo Civil, vigente desde 4 de junho de 2024 por força da Lei nº 14.879, estabelece requisitos mais rigorosos para a eficácia da cláusula de eleição de foro. Além de constar em instrumento escrito e referir-se a um negócio jurídico específico, a cláusula deve agora guardar pertinência com o domicílio ou residência de uma das partes ou com o local da obrigação, excetuando-se pactos consumeristas, quando a previsão for mais favorável ao consumidor.
A questão central que emerge dessa alteração legislativa é sua aplicabilidade temporal, especificamente sobre contratos firmados antes de sua vigência, mas cujos litígios são instaurados posteriormente. O dilema se manifesta em duas vertentes: uma que limita a incidência da nova norma aos negócios jurídicos celebrados a partir de 4 de junho de 2024, e outra que estende seus efeitos a contratos anteriores, desde que a ação judicial seja ajuizada sob a nova égide legal.
Uma corrente minoritária, amparada na ideia de aplicação imediata das normas processuais (artigo 14 do CPC), tem afastado a validade de cláusulas de eleição de foro em contratos pretéritos. Decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Paraná, por exemplo, aplicaram a Lei nº 14.879/2024 a negócios anteriores, classificando a alteração como “norma puramente processual” e, com base no princípio tempus regit actum, considerando o momento do ajuizamento da demanda como marco temporal.
Contudo, essa interpretação desconsidera a natureza dúplice do dispositivo, que transcende o âmbito processual para influenciar a autonomia da vontade e a formação dos negócios jurídicos. A tese de aplicação irrestrita também colide com a parte final do próprio artigo 14 do CPC, que resguarda expressamente as “situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.
Essa salvaguarda alinha-se à proteção constitucional do ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, da CF) e ao disposto no artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Contratos celebrados antes da nova lei são atos jurídicos perfeitos, e suas cláusulas, incluindo a de eleição de foro, foram pactuadas conforme o ordenamento vigente à época.
A jurisprudência majoritária parece seguir essa linha de raciocínio. Julgados recentes dos Tribunais de Justiça de São Paulo e de Minas Gerais têm reafirmado que a aplicação imediata da lei processual não pode atingir o ato jurídico perfeito e consolidado, devendo prevalecer a autonomia da vontade manifestada sob a legislação anterior. Nesses casos, o princípio tempus regit actum é interpretado corretamente, tendo como marco a data de celebração do contrato, e não a do ajuizamento da ação. Assim, os novos limites impostos pelo artigo 63, §1º, do CPC, aplicam-se somente aos instrumentos pactuados após 4 de junho de 2024.