Crédito, BBC Brasil
“Dou aula de porta aberta por medo do que os alunos possam fazer. Não dá para ficar sozinha com eles”, diz Liz*, professora de inglês de dois colégios públicos da periferia de São Paulo.
Em 15 anos de aulas tumultuadas e sucessivas agressões (de ameaças de morte a empurrões e tapas na frente da turma), a professora chegou a tentar suicídio duas vezes – primeiro por ingestão de álcool de cozinha, depois por overdose de remédios.
“Me sentia feliz quando comecei a dar aulas. Hoje, só sinto peso, tristeza e dor”, diz.
A violência contra professores foi destacada por internautas em consulta nas redes sociais promovida pelo #salasocial, o projeto da BBC Brasil que usa as redes para obter conteúdo original e promover uma maior interação com o público.
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A pedido da BBC Brasil, internautas, entre eles professores, compartilharam, via
diferentes relatos Google+ Twitter
Segundo o psiquiatra Lenine da Costa Ribeiro, que há 25 anos faz sessões de terapia coletiva com educadores no Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual, o trauma após agressões é o principal motivo de licenças médicas, pânico e depressão entre professores. “Mais do que salários baixos ou falta de estrutura”, ressalta.
O problema, de acordo com especialistas consultados pela BBC Brasil, seria resultado da desvalorização contínua do professor, do descompasso entre escolas e expectativas dos alunos e de episódios de violência familiar e nas comunidades.
A primeira tentativa de suicídio aconteceu assim que Liz descobriu que estava grávida.
“Quando vi que teria um filho, fiquei desesperada. Eu não queria gerar mais um aluno”, diz a professora, que bebeu álcool de cozinha e foi socorrida pela mãe.
A segunda aconteceu em abril do ano passado, após agressões consecutivas envolvendo alunos da primeira série de uma escola municipal e do terceiro ano do ensino médio de um colégio estadual, ambos na zona sul de São Paulo.
“Começou com um menino com histórico de violência familiar. Ele atacava os colegas e batia a própria cabeça na parede. Um dia, para chamar minha atenção, ele apontou um lápis bem apontadinho e rasgou o rosto de uma ‘aluna especial’ que sentava na minha frente”, relata.
Crédito, BBC Brasil
Ela conta que o rosto da aluna, que tem dificuldades motoras e intelectuais, ficou coberto de sangue.
“Violência gera violência”, diz Liz, ao assumir ter agredido, ela mesma, o menino de 6 anos que machucou a colega com o lápis.
“Empurrei ele com força para fora da sala. Depois fiquei destruída”, conta.
Na semana seguinte, diz Liz, um aluno de 16 anos a “atacou” após tentar mexer em sua bolsa.
“Ele disse que a escola era pública e que, portanto, a bolsa também era dele. Eu tentei tirar a bolsa, disse que era minha e então ele pulou em cima de mim na frente de todos”, relata.
O adolescente foi suspenso por seis dias e voltou à escola. O mesmo não aconteceu com Liz, que pediu licença médica e se afastou por um ano.
“Não me matei. Mas não estou convencida a continuar vivendo”, diz.
Crédito, BBC Brasil
A professora de inglês diz que a gota d’água para buscar ajuda de um psiquiatra foi quando percebeu que estava se tornando “muito severa” com a própria filha, de 6 anos. “Ali eu vi que estava perdendo a vontade de viver”, diz. “A violência na escola é física, mas também é moral e institucional. Isso acaba com a gente”, afirma.
A educadora diz que, nas duas oportunidades, não procurou a polícia por “saber que nada seria feito e que os policiais considerariam sua demanda pequena perto das outras”.
Para a educadora, o modelo atual das escolas estaria ultrapassado, o que tornaria a situação mais difícil. “Na sala de aula, eu dou aula para as paredes. E se o aluno vai mal, a culpa é nossa. Essa culpa não é minha, eu trabalho com quadro negro e giz. Enquanto isso os alunos estão com celular, tocando a tela”, observa.
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Em tratamento contínuo, ela diz que está, aos poucos, se afastando do ensino na rede pública.
“Dou aulas particulares também. E estes alunos eu vejo crescendo, progredindo”, diz.
Abandonar a escola, diz a professora, seria o caminho para resgatar sua autoestima.
“A alegria do professor é ver o progresso do aluno. É gostoso ver o aluno crescer. A classe toda tirar 10 é o maior prazer do mundo, vê-los entrando na faculdade é a nossa alegria”, diz. “Mas não é isso o que acontece”.
*A pedido da professora, o nome real foi mantido em sigilo.