A crescente horizontalização das estruturas empresariais, influenciada pela dinâmica do mercado global, tem gerado um questionamento central no âmbito trabalhista: a validade do enquadramento de inúmeros colaboradores como ocupantes de cargos de confiança. A multiplicação de postos de gerência e diretoria suscita o debate sobre a real detenção de poder de mando e decisório por parte desses profissionais, bem como sua adequação à exceção prevista no artigo 62 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O referido artigo exclui do regime de controle de jornada, entre outros, os gerentes, diretores e chefes de departamento, desde que cumpridos requisitos cumulativos. O primeiro, de ordem subjetiva, é o exercício de um cargo de gestão com fidúcia diferenciada e amplos poderes. O segundo, de natureza objetiva, exige um padrão salarial superior, com remuneração ao menos 40% acima do valor do respectivo salário efetivo, conforme estabelecido no parágrafo único do mesmo dispositivo.
A questão se torna complexa ao se analisar o contexto histórico da norma. A redação atual do artigo 62, vigente desde 1994, foi concebida para uma realidade organizacional predominantemente verticalizada, caracterizada por hierarquias rígidas e cadeias de comando claras. Nesse modelo, a figura do gestor com autonomia era facilmente identificável.
Contudo, as últimas décadas testemunharam a ascensão de estruturas horizontais, que promovem a colaboração e a aparente diluição da hierarquia. Nesse novo cenário, surgiram os chamados “gestores figurativos”: colaboradores com a nomenclatura de cargo de confiança, mas sem a autonomia efetiva para tomar decisões estratégicas, permanecendo subordinados a diretrizes rígidas da alta administração. Essa prática, embora crie uma falsa percepção de ascensão e autonomia, muitas vezes serve apenas para suprimir direitos, como o pagamento de horas extras e o gozo de intervalos, submetendo o empregado a jornadas exaustivas.
Este descompasso tem sido levado aos Tribunais do Trabalho, que, de forma crescente, vêm descaracterizando o enquadramento no artigo 62 quando não comprovada a fidúcia especial. As decisões judiciais reiteram que a mera nomenclatura do cargo é insuficiente, sendo imperativa a comprovação fática dos poderes de gestão e do requisito salarial.
Diante da defasagem da legislação frente às transformações corporativas, a atuação jurídica se torna crucial, invocando o princípio da primazia da realidade. Por meio de provas documentais e testemunhais, busca-se demonstrar a verdadeira natureza das funções exercidas, assegurando que a realidade do contrato de trabalho prevaleça sobre a formalidade do cargo e garantindo a efetiva proteção dos direitos do trabalhador.
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